Dizem que o esporte ensina. Mas há alguns momentos e situações que o 
fazem ir ainda além: mais do que aprendizado, é possível mudar 
completamente sua percepção sobre a própria vida. É o exemplo da seleção
 brasileira de futsal down, que foi acompanhada pela reportagem da ESPN 
em um jogo inédito contra o Corinthians, atual campeão da Liga Nacional 
de Futsal.
O projeto do time de futsal down, encampado pelo técnico Cleiton 
Monteiro, começou em 2011 com um caráter social, mas foi bem além das 
expectativas. Começou no próprio Corinthians, mas logo virou seleção com
 as sementes da iniciativa se espalhando por todo o Brasil.
Segundo o técnico, ex-atleta de futebol, existem no país entre 2 e 3 
mil praticantes, mas a tendência é ver esse universo crescer, pois, 
segundo ele, o futsal tem feito muitas transformações – e até alguns 
“milagres” – nas vidas dos atletas. Exemplos não faltam…
“Tem a história do Juan, que antes do esporte teve 14 pneumonias. 
Foram 14 pneumonias, e o médico disse que ele não ia sobreviver”, conta o
 jovem treinador, de 42 anos, que relembra que, em um passado não muito 
distante, os pais escondiam seus filhos da própria sociedade, que 
rotulava de diferentes nomes o portador de síndrome de down.
Também existem muitas histórias de portadores da síndrome de down 
que, ao lado das famílias, venceram o preconceito com o esporte e, 
melhor de tudo, adquiriram respeito daqueles que não conseguem enxergar 
as mais diversas capacidades que eles têm.
O terceiro goleiro Fabiano, aos 52 anos, hoje próximo de sua 
aposentadoria das quadras, é o símbolo de uma gigante transformação 
humana. Quando ainda estava na barriga da mãe Marli, os médicos já 
haviam o condenado, afirmando que nasceria morto.
Assim que nasceu, os profissionais da saúde da época disseram que ele
 não duraria meses… Se equivocaram completamente e, graças à insistência
 e amor da mãe, hoje Fabiano pode bater no peito e dizer para todo mundo
 que é bicampeão mundial de futsal down.
Uma seleção de verdade
Com eles, não existem pedidos de entrevistas com assessores de 
imprensa ou coletivas com pré-determinações para quem vai falar. No dia a
 dia com a seleção brasileira de futsal down, a liberdade é total para 
conversar com todos. Aliás, muitas vezes, são eles mesmos, os atletas, 
que nos procuram com um sorriso largo e abraço fraterno. São assim que 
eles agem no dia a dia, com todas as pessoas. Amorosos e cheios de 
história de vida para contar.
E encontraram no esporte a chance da vida para mostrar à sociedade do
 que são capazes. Levam a sério os treinos, com muita verdade e 
disciplina. Honram a camisa da seleção brasileira e carregam, acima de 
tudo, a gratidão pela transformação trazida pela bola.
“O esporte transforma. Transforma tendo deficiência ou não, em todos 
os sentidos. Dando qualidade de vida, os conceitos, a oportunidade, te 
ensina a responsabilidade, disciplina, porque se você não tiver isso 
dentro do esporte, não acontece… Até para brincar na rua você tem que 
ter disciplina e respeito com seus amigos. Se não, você não joga, fica 
de lado, e o futsal down é a mesma coisa. Ele te dá oportunidade para 
você ser inserido dentro de um contexto geral da sociedade”, afirmou 
Cleiton.
Enfrentando ídolos
A felicidade estava no olhar de cada atleta da seleção, mas dos 
adversários também. É que eles entrariam, pela primeira vez na história,
 no ginásio Wlamir Marques, no Parque São Jorge, para enfrentar o melhor
 time de futsal do Brasil, o Corinthians, atual campeão da LNF.
E claro que os atletas da equipe não destilariam todo o talento 
contra os meninos do futsal down. Na verdade, os atletas do Corinthians 
tinham certeza de que, naquele jogo, iriam aprender muito mais do que 
ensinar. Foi o que aconteceu. Jogaram e se divertiram, com seriedade, é 
claro, assim como a seleção brasileira costuma fazer.
Renato, o pivô da seleção de futsal down, escolhido por duas vezes 
como o melhor jogador do mundo, até perdeu as contas de quantos gols fez
 no goleiro Lucas. E não foram poucos: no final, 13 a 10 para a seleção 
brasileira de futsal down no placar.
E uma curiosidade: Renato, por exemplo, não negou fogo mesmo jogando 
contra o time do coração, já que é corintiano. “Tem que separar as 
coisas, né? Nessas horas, a gente tem que ser profissional”, disse o 
craque da seleção de futsal down.
Profissionalizar o futsal down é o grande objetivo do técnico Cleiton
 e de todos que fazem parte do projeto da seleção. O Brasil que 
conquistou o bicampeonato mundial só não é tri porque em 2017 não 
encontrou um apoio para viajar. No “país do futebol”, a seleção de down 
conta com dois patrocinadores estrangeiros – um norte-americano, um 
italiano e nenhum da nossa terrinha…
Mesmo assim eles seguem nos representando, com a leveza, pureza, 
amor, profissionalismo, disciplina e verdade que não costumamos 
encontrar na maioria dos atletas.
“O grande sonho é profissionalizar, que esses atletas sejam 
contratados por suas equipes. Que eles sejam mais reconhecidos por causa
 da seleção brasileira também. Essa é a ideia, profissionalizar e dar 
oportunidade para outros estarem inseridos dentro do esporte.”
Édson Jr é outra prova viva desse amor verdadeiro, pois sabe bem o 
que irá fazer com o simbólico bicho de R$ 100, 00 que cada jogador 
ganhou pela vitória em cima do Corinthians… “Ah, o dinheiro eu vou 
guardar para mim mesmo e para minha mãe. Te amo, mãe. Olha, estou dando 
uma entrevista”, brincou o fixo da seleção. E é com esse espírito 
solidário, sem maldade, sem preconceito e com um pedido aos pais que 
tenham filhos portadores de qualquer tipo de deficiência, inclusive a 
intelectual, que o técnico da seleção faz um apelo. “Esse é o recado 
para as famílias, que acreditem no esporte. Que as famílias acreditem 
nos seus filhos, porque eles são capazes. Só precisam de oportunidade.”
Foto:Reproducao-ESPN
Fonte:  Marcelo Gomes • São Paulo | SP/LNF